segunda-feira, 17 de julho de 2017

A mansidão e a simplicidade


Antes do sol sai a luz da manhã, e à humildade precede a mansidão, como nos declarou a mesma luz, que é o Senhor, quando disse: Aprendei de mim que sou manso e humildade de coração. Justo é, pois, e conforme a ordem natural, gozar da luz antes do sol, pois a este ninguém pode ver, se primeiro não vê esta luz;

Mansidão é conservar-se a alma em um mesmo estado sem perturbação alguma, quer nas honras, quer nos desgostos. Mansidão é, nas perturbações e aflições do próximo, fazer oração por ele com suma compaixão. Mansidão é firmeza da paciência, porta da caridade, ministra do perdão, confiança na oração, argumento de discrição. Porque o Senhor, como diz o profeta, ensinará aos mansos seus caminhos.

Mansidão é aposento do Espírito Santo, segundo aquilo que está escrito: Sobre quem repousará meu espírito senão sobre o humilde e manso, e que trema de minhas palavras? Mansidão é ajudadora da obediência, guia dos irmãos, freio dos furiosos, vínculo dos irados, ministra de gozo, imitação de Jesus Cristo, condição de anjos, prisão de demônios, e escudo contra as amarguras do coração.

O Senhor repousa nos corações dos mansos, mas a alma do furioso é aposento do inimigo. Os mansos herdarão a terra, ou, para melhor dizer, serão senhores dela. Mas os homens loucos e furiosos serão destruídos e desprezados dela. A alma mansa é filha da simplicidade, mas a alma irada é casa e aposento de malícias. A alma do manso receberá as palavras da sabedoria, porque o Senhor guiará no juízo os mansos, ou para melhor dizer, na virtude da discrição. A causa disto é que a alma quieta e tranquila, está muito disposta e aparelhada para ser dirigida e iluminada pelo Espírito Santo. A alma reta é familiar companheira e esposa da humildade.

Mas a má é filha moça e louca da soberba. As almas dos mansos serão cheias de sabedoria, mas, nas almas dos irados, moram as trevas e a ignorância. O irado e o dissimulado se encontram e não se achou palavra reta entre eles. Se abrires o coração do primeiro, acharás loucura. Se abrires o do segundo, acharás maldade.

A simplicidade é um hábito e disposição da alma, que carece de variedade, e não sabe que coisa é perversa intenção, nem é movido com algum mau pensamento. Malícia é astúcia, ou para melhor dizer, maldade e mentira de demônios, porque pecar por malícia é pecar não por fraqueza ou ignorância, mas por eleição e vontade deliberada, como pecam os demônios, que toda a sua astúcia empregam em buscar como fazer maior mal.
Hipocrisia é estado contrário à disposição do corpo e da alma, cheio de suspeitas e más intenções, porque o hipócrita em tudo se contrafaz, querendo parecer outro, suspeitando que os outros sejam como ele.

Inocência é disposição e estado da alma, alegre e seguro e livre de toda a suspeita e astúcia porque o verdadeiro inocente, assim como não faz mal a ninguém, assim também não suspeita mal de ninguém.

Fujamos, pois, do despenhadeiro do fingimento e do lago da malícia e astúcia, ouvindo a sentença daquele que disse: os que maliciosamente vivem serão destruídos. Estes, como a verdura das ervas, desfalecerão logo, e serão pasto dos demônios. Assim como Deus é caridade, assim é retidão e igualdade. E por isso, disse o sábio, nos Cânticos, falando com
ele: os retos são os que te amam. E o pai deste mesmo sábio disse em um salmo: Bom e reto é o Senhor. E assim diz que salva aos retos de coração.

E em outro lugar: Justo é o Senhor, e amante da justiça, e os seus olhos tem postos na retidão e igualdade.

por São João Clímaco, na obra A escada do céu.

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